Acredito eu que a inspiração original para este texto veio de uma experiência que tive sobre um processo de contratação que fiz para um país europeu em Maio de 2016. Frustrado com a negativa, resolvi procurar textos que retratassem experiências semelhantes ao que aconteceu comigo, primeiro para me consolar, e segundo para me solidarizar com pessoas que passaram pelo mesmo calvário. Este aqui foi o melhor até então.
Depois de ler este texto e mais alguns follow-ups, posso dizer que o processo de contratação em si está falido no mundo todo. Seja aqui no Brasil, seja na América do Norte, na Europa ou no seu país favorito. A falência é geral. Todo mês faço ou me candidato a pelo menos um processo seletivo. Não que necessariamente eu queira muito passar, mas é minha maneira de sempre estar em contato com o mercado e ter, além de uma opinião a respeito, opções. Tanto é que meu maior tempo desempregado desde que entrei na faculdade foram 45 dias. Contei esse período em outro blog meu e, bom, desde 2012 eu já sabia que ia dar merda na Petrobrás.
Os processos seletivos no Brasil não são feitos por pessoas de TI: são feitos por pessoas de RH que por um acaso se aventuram em TI. O alarme aqui deve soar amarelo porque o candidato não é avaliado primordialmente de forma técnica: os examinadores preferem olhar como o candidato se veste, como se expressa, como é seu tom de voz (pra quem me conhece, sabe que falo bem alto, mas porque minha voz é naturalmente alta, e já fui avaliado em alguns processos por isso), sua postura crítica, sua forma de ver a empresa, etc. Em resumo, o que ele parece ser, e não o que ele pode agregar à equipe.
A seguir, o que se tem normalmente é uma prova de conhecimentos técnicos feita no papel (claro, porque, ~afinal, programamos todos os dias no papel~, não é mesmo?). A justificativa é que o programador deve ser testado na "sua capacidade de resolver problemas", ainda que o desempenho da resolução em papel seja bastante inferior ao desempenho que o candidato teria se estivesse fazendo o mesmo exercício num computador. Há ainda o agravante de a avaliação ser predominantemente subjetiva (e vejam, estamos falando de trabalhar com computadores, coisa que não cabe subjetividade, e sim objetividade). Um algoritmo no papel ou no quadro branco não é compilado. Não é interpretado. A resposta só pode ser dada por um examinador, um humano, e como toda avaliação humana, ela pode ser enviesada.
Também há a chance de o candidato ser ótimo no papel e péssimo no dia-a-dia, como alguns estagiários que já tive, de ótimas faculdades, cheios de boas notas, e incapazes de serem rápidos e criativos, que é o que realmente importa neste universo.
Certa vez, tive a oportunidade de contratar um funcionário usando este método. Não fui eu que apliquei a avaliação: a avaliação foi feita por uma outra empresa recomendada pela empresa que eu trabalhava, e eu apenas fiz a entrevista técnica, porque eram estes os requisitos para a época. Foi, simplesmente, um dos piores funcionários que já tive na vida. Uma pessoa muito boa para entrevistas e avaliações, e péssima no dia-a-dia. Os demais colaboradores da Design Liquido, todos programadores freelance, foram contratados através da entrega de um projeto ou do desempenho em alguma atividade que envolva diretamente programação, como colaborar no Stack Overflow. Os melhores alunos da iniciativa Coding Craft também são convidados para trabalhar. Ou seja, inventei um processo em que eu tenha uma experiência de vivência completa com quem está trabalhando comigo.
As empresas podem dizer: "Ah, mas nós não temos tempos de ter vivência de coisa alguma, não podemos contratar assim", mas podem pedir um projeto, colocar os requisitos, pedir para subir no GitHub, e, principalmente, não definir muita coisa. Deixe o programador tomar suas próprias decisões, e avalie o candidato através do que ele produziu e das respostas que ele dá a respeito da arquitetura do projeto. Não apenas é o melhor tipo de feedback possível, como você também pode aprender algo com o seu candidato.
Mas as empresas, com suas estruturas altamente verticalizadas, seus analistas de RH e toda a estrutura de recrutadores, prefere manter as coisas como estão. Um exemplo disso foi um e-mail de um recrutador profissional oferecendo seus serviços. O e-mail foi o seguinte (alterei os nomes para manter o devido anonimato e para eu não me meter em algum imbróglio jurídico caso a pessoa se sinta ofendida):
De: Manoel Pereira [mailto:[email protected]]
Enviada em: Monday, August 22, 2016 2:35 PM
Para: Cigano Morrison Mendez
Assunto: Alcance resultados de forma mais eficiente.
Olá, Cigano. Tudo bem?
Meu nome é Manoel Pereira, sou Consultor Recolocação Profissional da Recrutador.com.br. Acredito que você esteja em busca de uma recolocação. Existem várias oportunidades no mercado de trabalho e estou aqui para ajudar você a se recolocar mais rapidamente.
Notei que hoje a atratividade do seu currículo pode ser melhorada para a maioria das empresas que buscam candidatos em nosso site. Por isso, tenho dois pontos em que posso te ajudar: melhorar a apresentação do seu currículo e colocá-lo em evidência para as empresas contratantes.
Principalmente nesse momento onde o mercado está bastante concorrido, você precisa ter um diferencial. Somente enviar o currículo para vagas não é o suficiente! É necessário ser visto pelo contratante, despertar o interesse e ser convidado para entrevistas.
Alguns exemplos de empresas que procuram candidatos em nosso site hoje são Aché Laboratórios, Allis, Grupo Pão de Açúcar, DELL, Bradesco, FTD Editora, Lorenzetti, Nestlé, Samsung, Hyundai, Suzano Papel e Celulose, Intelbras, Hospital Nove de Julho, JAC Motors, Friboi, Adecco, Ambev, Aurora, Renault, Ericsson, Sadia (BRF Foods) e LG, dentre outras em vários segmentos.
Você tem interesse em investir em ferramentas que te ajudem a melhorar os pontos acima e trabalhar em empresas de primeira linha?
Entre em contato comigo respondendo a este e-mail, se preferir posso te ligar. Os telefones do seu cadastro estão atualizados?
Espero falar com você em breve. Aguardo seu contato!
Tem uma super carinha de mala direta. Aposto que mais umas 400 pessoas receberam algo assim. De fato, o interesse dele não é realmente me ajudar, mas vender as tais ferramentas.
Ainda tentei ser o mais educado possível, porém crítico. Minha resposta foi:
De: Cigano Morrison Mendez
Enviada em: Monday, August 22, 2016 3:54 PM
Para: 'Manoel Pereira' [email protected]
Assunto: RES: Alcance resultados de forma mais eficiente.
Oi, Manoel. Tudo joia, e com você?
Não estou exatamente ansioso por uma recolocação. De vez em quando confiro como está o mercado e, se aparece alguma oportunidade interessante, aplico pra alguma vaga, mas confesso que não ando muito interessado em oportunidades CLT: apenas PJ.
Essas empresas que você mencionou, acredito eu, contratam para CLT e já com projetos definidos ou em andamento, e ultimamente tenho visto uma grande quantidade de projetos assim que começam ou continuam sem qualidade alguma, o que me desmotiva enormemente.
Outra coisa são os processos seletivos: além de eu pedir valores que as empresas não querem pagar, os critérios de seleção são estranhos e as empresas sequer fazem devolutivas. Acho que mais desmotivador que entrar em uma empresa com projetos problemáticos é fazer processos seletivos também problemáticos.
Hoje em dia os processos seletivos estão todos quebrados e as carreiras também. Os gestores se preocupam demais com horários, comportamento e indumentária do que com inovação, produtividade e novos recursos e ideias, com o agravante que são impermeáveis a sugestões de subalternos e se consideram acima de qualquer crítica, pessoalizando comentários que deveriam ficar apenas na esfera profissional.
Sinceramente, o panorama é desolador. Estou pensando seriamente em sair da programação e ficar apenas na gestão ou na área de ciência de dados, a qual ando me interessando muito. De qualquer forma, posso atualizar o currículo e conversamos mais a respeito.
Meus contatos:
(coloquei meus contatos aqui)
Obrigado pela sua atenção,
Cigano
Ainda que meu e-mail possa ser puro miasma, há muito de realidade nua e crua nele. Porém, acho que o recrutador não gostou muito da minha resposta, tanto que não fui respondido até hoje.
As empresas querem exatamente isso: que pessoas interessadas as procure já supervalorizando as oportunidades. Com isso, a subserviência já vem pronta. Não há a necessidade de lidar com funcionários rebeldes.
Além disso, o que a empresa mais quer é que o funcionário siga horários, tenha padrão de roupas, comportamento esterilizado e acate bem a ordens diretas e demandas abusivas (quando não são inúteis ou erradas).
"Se o processo de contratação está falido, o que você sugere para melhorar?"
Duvido que me façam uma pergunta dessas, mas se me permitirem dizer, a maneira de melhorar começa em ser criativo.
A mudança parte de quem contrata, ou seja, de quem lidera. Líderes de equipes de TI em grandes empresas normalmente não se interessam muito por processos seletivos. Normalmente terceirizam ou fatiam o processo entre vários setores da empresa, tornando a experiência do processo seletivo o calvário tortuoso costumeiro: entrevista de perguntas com uma psicóloga, entrevista de perguntas com alguém da área técnica, um teste feito no papel, mais algum teste que a empresa julgar importante, e talvez, se a empresa for muito camarada, uma devolutiva. Ah, o processo leva vários dias, a maioria das empresas só realiza as etapas em horário comercial e de forma presencial, e é bastante comum algumas etapas levarem várias horas, como a tal prova em papel. Já fui a entrevistas que nem café e água ofereciam.
Desolador.
É assim porque as empresas se interessam mais não pela sua capacidade de produzir, mas pela capacidade dela de te manter sob controle e aceitar caprichos da gestão sem reclamar. E é por isso que eu não passo na maioria das entrevistas que faço, que não são poucas.
A solução que encontrei foi empreender. Virei consultor. Hoje em dia, bato na porta de algumas empresas, vasculho o sistema delas e aponto os problemas, me oferecendo para resolvê-los. Sem chefe. Sem líder. Apenas clientes.
Ainda, tenho uma ideia para o futuro. A escrita de um produto. Devo falar sobre isso nos próximos textos.
É difícil no começo? Sim, muito. Empreender no Brasil não é fácil. Demoram a aparecer processos em que tenho a possibilidade de contratar. Quando aparecem, tento pelo menos não fazer a avaliação de modo tortuoso, à moda tradicional. Prefiro conhecer as pessoas, me admirar com o conhecimento delas e me preocupar com o que é importante, que é fazer bons sistemas.