Escrevo este texto completando sete meses morando em outro país. A ideia da mudança foi, em boa parte, pro desejo de novos desafios profissionais. O que eu esperava era um nível técnico maior e equipes de programadores mais conscientes. Mais uma vez, a expectativa se mostra uma grande vilã.

Não preciso repetir a frase título. Posso falar de talento. O talento, sim, é um ente raro. É a expressão mais excelente possível da capacidade técnica, mas ineficaz sem a sabedoria. Não basta apenas ter uma capacidade técnica altíssima: é preciso também aplicar essa capacidade técnica da forma mais eficaz. Ou, melhor dizendo, da forma que o time melhor absorva e que traga um padrão superior de produtividade. A prova maior disso são as mentes incríveis que conheci durante a vida - boa parte, aliás, com uma capacidade muito superior à minha - e que não souberam aproveitar as oportunidades quando elas apareceram. São férteis como óasis, mas desperdícios monumentais. Não que eu seja um exemplo crasso de excelência. Sou mais teimoso que competente mesmo, e me sinto uma fraude com relativa frequência.

Aproveitando a analogia, o restante do mundo profissional, em todo e qualquer lugar do mundo, é isso. Árido. Sem lampejos de criatividade em quantidade satisfatória. Infecundo. É vislumbrar o deserto em sua mais perfeita desolação. Montanha após montanha, vale após vale, o cenário é insosso, pobre, infernal. Um areial. Apenas o vento dá algum sinal de animação, sempre da mesma forma. O marasmo é justificado pelo pragmatismo: aquele que se contenta sempre terá sua chance de sobrevivência garantida, ainda que constrita a uma rotina fastidiosa, repetitiva, repleta de defeitos obsoletos. Mas está tudo bem.

Eu sei que não é justo forçar as pessoas a terem talento. Nem tem como, mas existe a possibilidade de uma postura mais aberta a novidades, a autocríticas, a desafios, uma visão mais criteriosa sobre o que pode ser melhorado, e não aceitar que tudo da forma como está é o ponto final da excelência. Quase sempre dá pra melhorar, e nunca é exatamente muito difícil ou impossível.

Um parêntese: tudo é ridiculamente fácil na sua vida e na minha - e se você falar que sua vida é difícil, você é apenas desonesto ou ignorante (peço desculpas). Você não precisa levantar pela manhã se preocupando se vai conseguir comer, dormir, não ser devorado(a) por predadores ou morto(a) por tribos selvagens, se vai ter um furúnculo que vai infeccionar e te matar por sepse. Você tem muito mais do que imagina, tanto que tem tempo para ler esse texto sem que ele prejudique sua sobrevivência, seja comida, remédios, um teto, um banheiro, um chuveiro, roupas, eletrônicos, e assim por diante. Eu conheço gente que até hoje não tem banheiro com água encanada e esgoto em casa, e que não reclama da vida tanto como muitos que muito têm. Aqui já cheguei até a repreender alguns americanos que vieram com esse papo de que o mundo vai de mal a pior, e sempre piorando cada vez mais.

E é por isso mesmo que, tendo uma vida mais fácil que muita gente que viveu antes que você (incluo aqui seus pais, avós e parentes distantes), e que pode se esforçar sempre um pouquinho mais, e fazer tudo um pouquinho melhor a cada dia. Ainda que você seja uma pessoa que pegue no pesado todos os dias, trabalhe até a exaustão e tenha pouco tempo e dinheiro para mudar algo substancialmente, há uma pletora de exemplos de gente que saiu do nada e hoje tem muito, em condições até piores que as suas. Esses caras são exemplos de pessoas brilhantes, perseverantes, exemplares e sensacionais, e devo dizer, não exatamente talentosas, mas com competências e capacidades valiosas, capazes de fazê-las sobressair quando o talento não é suficiente. São óasis no meio de desertos, igual o da foto título que escolhi, o Rio Orange, na África do Sul. Repare que o que temos predominante na paisagem é o deserto, enquanto que, margeando o rio, temos círculos férteis de fazendas de vinhos, frutas, verduras, legumes. Há vida e cores ao redor do potencial criativo, da inovação, das boas ideias, da força de trabalho efetiva e inteligente, assim como há vida e cores ao redor do rio. Pessoas férteis atraem pessoas, sejam também férteis ou não.

Não há mundo profissional que seja chato e repetitivo se o profissionalismo impera. O que existe são empresas amadoras, funcionários amadores, fornecedores amadores. Mediocridade, incompetência e falta de visão de gestão. A responsabilidade pelas origens desses problemas é, fundamentalmente, do gestor, mas cada célula da organização tem sua parcela na conta, e quando essa conta é alta demais, a bancarrota sempre vem. A punição para o amadorismo normalmente é a falência ou a demissão.

No próximo texto, falarei de alguns exemplos clássicos de posturas amadoras dentro de empresas de TI, bem como algumas pequenas atitudes que podem ajudar o profissional a evitar situações desagradáveis, esquistas e prejudiciais à sua carreira.