Acho que essa história vai ser perfeita para explicar como o mundo da programação vai mal. Muito mal. Mal demais, eu diria.

Posso começar falando da produtividade do brasileiro, que é simplesmente pífia em várias áreas, mas nada é melhor para ilustrar meu argumento que uma boa história.

Certa vez, eu trabalhei numa empresa em que meu superior direto me recomendou "aprender a falar sobre futebol e me interessar por futebol, porque os clientes gostam de falar sobre futebol". Por sinal, é uma das pessoas mais incompetentes e traiçoeiras que já trabalhei na vida. Perdi a contagem das vezes que ouvi ele com o cliente falando sobre o saldo de gols do time tal ou sobre como a mudança para pontos corridos mudava tal campeonato.

Não gosto de futebol. Até tentei ter um time quando era mais novo, mas desisti quando fui ao primeiro jogo no estádio e tentei entender qual a motivação que faz uma pessoa bater na outra por causa de uma escolha de time. Considerando que o fato de torcer para algum time poderia algum dia fazer com que alguém tivesse um motivo para me agredir fisicamente, somado à falta de simpatia pelo esporte, resolvi simplesmente não ter time algum, e minha vida não é melhor ou pior por isso. Até jogo futebol com amigos de vez em quando, mas sempre numa ideia de competição saudável.

Vida de Programador

É importante dizer que não sou contra conversas paralelas com clientes de vez em quando. Acho legal no ambiente profissional que sintamos que estamos interagindo com pessoas como nós, com gostos, preferências, felicidades e problemas como nós. Somos seres gregários, então damos muito valor a para habilidades sociais. O que sou contra é usar isso como instrumento primário de relacionamento com o cliente. Pior: a estratégia era usada para "o cliente não lembrar que o sistema tinha problemas", e os problemas eram muitos.

A estratégia se assemelha muito a "ficar muy amigo dos colegas", outra coisa que sou bem contra, porque o tratamento profissional muda quando se é muito próximo de uma pessoa que trabalha com você. Colegas-amigos viram bolas de ferro amarradas aos pés: não fazem a parte deles, e você ainda tem que arrastá-los juntos pra onde você for. Cobrá-los por entregas sem qualidade? Nem pensar. Arrisque fazer isso e você não será convidado para o próximo Happy Hour. Provavelmente, para nenhum outro.

Numa outra oportunidade, havia um estagiário que, para fazer média com os programadores da equipe, levava comida do restaurante da família para o trabalho. Bom dizer que era outro caso severo de incompetência. A ideia não funcionou por muito tempo (acabaram não efetivando ele como empregado depois do tempo obrigatório de estágio). Por outros colegas, me contaram que esse esse estagiário conseguiu um emprego "pelo domínio de outras línguas" que não o inglês.

Essas histórias revelam um lado sinistro das relações de trabalho no Brasil: que a qualidade técnica vale menos que o carisma, que conhecimento sobre futebol e até que comida, dependendo do caso. Felizmente, são poucas empresas em que isso perdura por anos.

Sempre fui um funcionário que tentava resolver os problemas da forma correta, sem jeitinhos ou atalhos, e por um certo tempo este comportamento me foi punitivo. Deixei de ganhar promoções e meus erros foram mais lembrados que meus acertos - e se você está numa empresa que lembra mais de você pelo que você errou do que pelo que você acertou, acho que é uma boa chance de você voltar ao mercado de trabalho por uma vaga melhor. Ainda bem que essa situação ocorreu apenas uma vez, numa empresa que era particularmente esquisita em relação aos valores cultivados pelos funcionários. Um funcionário que se arrisca para melhorar algo era lembrado negativamente se falhasse, enquanto que um funcionário que nunca se envolve com incidentes era bem lembrado, tendo acesso a promoções e bônus com muito mais facilidade.

Esta é mais uma motivação que me fez ter a iniciativa do Coding Craft: mostrar que não apenas o problema da produtividade está na baixa capacidade técnica, mas também na postura profissional de cada um. Felizmente, a convivência com meus alunos e seus resultados mostram que o que prevalece ainda é a capacidade técnica, o que me deixa muito feliz.